Laila Ali – “Sou Invencível”

Laila Ali, de 29 anos, é uma dos nove filhos de lendário pugilista Muhammad Ali (que antes de se converter ao Islão dava pelo nome de Cassius Clay) e supercampeã de pesos médios de boxe feminino. Popularizou-se também por participar no programa televisivo norte-americana “Dancing with the Stars” (“Dançando com as Estrelas”) e acabou de ser nomeada uma das cem pessoas mais bonitas de 2007 pela revista “People”. Laila Ali aparece regularmente na televisão e em revistas, como aconteceu recentemente na “Time”.

Entrevista: Peter Hossli Fotografia: Charly Kurz

laila_aliLaila Ali, o que é uma bailarina come ao pequeno-almoço?
Laila Ali: Como clara de ovo, “bacon” de peru e papas de aveia.

E uma pugilista?
Ali: A ementa é a mesma: é a refeição mais importante do dia. Mas agora que estou a câncer não como tanto. Quando estou a fazer boxe preciso de mais energia.

No ringue revelou-se invencível, mas agora tem estado muito absorvida pelo programa “Dancing with the Stars”e fala-se sobre uma possível carreira como manequim. Esta a pensar abandonar o boxe?
Ali: Não há nenhuma sobre uma carreira como manequim, nem vou abandonar o boxe. Fiz uma pausa porque não estava a sentir-me muito desafiada.

O boxe é um desporto duro, masculino, enquanto a dança é mais feminina. O que é que a atrai nisso?
Ali: Em primeiro lugar, “Dancing with the Stars” não é apenas dança. Pareceu-me muito divertido, gostei do facto de me vestir bem, de aparecer elegante e atraente.

Não lhe basta ser a melhor pugilista do mundo?
Ali: Não ia fazer pugilismo o resta da vida. Disse que queria tornar-me campeã mundial. Já sou. Agora é altura de começar a fazer outras coisas.

Tais como?
Ali: A minha prioridade é formar uma família. Vou casar-me dentro de poucos meses e quero ter um bebé. Ponho a hipótese de não voltar a fazer pugilismo. Gostava de enveredar pela culinária e pela nutrição e ensinar as pessoas a serem saudáveis.

hossli_laila.jpgEstá a considerar outro tipo de desportos competitivos?
Ali: Tenho 29 anos, quase 30. Não existem muitos desportos de competição que eu possa começar com esta idade e conseguir vir a ser muito boa. Pretendo ser a melhor em tudo aquilo que faço. O boxe foi um desafio. Ultrapassei esse desafio. Sou invencível. Sou considerada um das melhores. Agora quero ser a melhor mãe possível.

Por que razão ser sempre a melhor em tudo?
Ali: Há quem se sinta realizado sendo apenas mediano. E há quem queira ser o melhor. Eu sou uma destas pessoas.

Tentar estar sempre no topo exige muita energia. Onde é que a vai buscar?
Ali: É uma força interior. Para sermos os melhores temos de estar dispostas a trabalhar com muito afinco. E temos de aceitar quando alguma coisa não está perfeita e aperfeiçoá-la. É isso que eu faço.

Outras atletas tentaram superar as suas carreiras desportivas. Estou a pensar nas irmãs Williams e em Anna Kournikova. Para si, elas são modelos a seguir?
Ali: Sempre segui o meu próprio caminho. Não há ninguém como eu. Sou única.

Enquanto pugilista, está constantemente a ser atacada. Como é que ultrapassou o medo?
Ali: O medo é um sentimento que não tenho. Sou uma lutadora. Não sou uma pessoa vulgar. Só concebo que tenho duas mãos e guê mulher com quem estou a lutar tem duas mãos e que uma de nós vai ganhar e a outra vai perder. Sinto que tenho a situação sob controlo, pelo que no ringue não há nada a recear.

Em termos gerais, de que é tem medo?
Ali: Tenho medo de perder. Tenho medo de não estar preparada para um combate. É isso que me leva a treinar. Nunca aceitaria perder um combate por não estar em forma ou por a minha qualidade técnica não ter estado à altura.

lail_standing.jpgOs pugilistas devem sentir muitas dores. Como é suporta isso?
Ali: No ringue não sinto dor. De todas as vezes que sou atingida, é como se alguém me estivesse a tocar no braço.

O que a leva a sujeitar-se a isso?
Ali: É impossível explicar. É preciso sermos um pouco loucos se queremos ser lutadores. As pessoas, na sua maioria, são fracas. Quando viviam em tribos e lutavam umas contra as outras, quando tinham razões para o fazer, a maioria não queria ficar na linha de frente, com medo de se magoar. É óbvio que é preciso ter muita coragem. Eu teria sido um desses guerreiros e um líder tribal.

Segue à risca aquela regra: nada de sexo, de álcool e de drogas?
Ali: Nunca consumo álcool nem drogas, nem mesmo quando não tenho combates. E é óbvio que nunca tenho uma noite de sexo escaldante na véspera de um combate.

Alguns pugilistas defendem que o treino é a melhor parte.
Ali: Para mim, o treino é a parte mais difícil, dia sim, dia não. Um combate dura 20, 30 minutos. E é fácil. É canja. Faço os mesmos movimentos que um homem. É isso que torna os combates fáceis para mim, quando entro no ringue e luto com uma mulher.

Que contributos pode uma mulher trazer para o desporto que um homem não possa?
Ali: Não faço distinções. Não sou uma feminista. Se somos atletas, somos atletas. Se somos mulheres, competimos com mulheres; se somos homens, competimos com homens. Isto na maioria dos casos. É claro que somos diferentes. Mas em termos técnicos não julgo que haja necessariamente uma grande diferença.

As mulheres da geração anterior à sua tiveram de lutar pela igualdade no desporto. Actualmente, os homens continuam a ser mais bem pagos em determinadas modalidades. Como encara esta situação?
Ali: Nunca tive de mo confrontar com o problema dês ser uma mulher neste desporto. O problema com que deparei foi o facto de ser filha de Muhammad Ali. Seja como for, não ligo às restrições que me são colocadas. Faço quilo que me apetece. É um enorme desperdício de energia preocupar-me com o que os outras pensar ou como possam sentir-se.

Muita gente considera o pugilismo feminino um verdadeiro absurdo. Por que razão as mulheres necessidade de lutar umas contras as outras?
Ali: As mulheres não têm necessidade de lutar. Mas se sentem vontade de o fazer, só têm de seguir em frente e lutar por quilo que querem. Julgo que toda a gente deveria fazer na vida quilo que realmente deseja. Só se vive uma vez. E não devemos deixar que outros decidam a nossa vida por nós. Seja como for, também nunca digo: “Mulheres, venham para o boxe.” Acho bem que fiquem fora do boxe, em primeiro lugar porque isso envolve uma dose de loucura e, em segundo, porque se tiverem de lutar comigo vão levar uma tareia.

Quando deixar o ringue vai dedicar-se às promoção do boxe?
Ali: Não. Não sou grande fã do boxe. Não sou admiradora de personagens com quem temos de conviver no meio do pugilismo. E, para lhe falar com franqueza, ficarei muito feliz quando já não tiver de ir para aqueles ginásios barulhentos e a cheirar a suor.

De que tipo de pessoas está farta?
Ali: Este é um desporto em que todos podem participar. Toda a gente pode dizer: “Quero ser pugilista” ou “quero ser empresário de pugilistas” ou “promover pugilistas.” Deparamos com pessoas que deixaram q rua e que, por essa razão, se julgam muito duras e acham que isso faz delas lutadoras. Lidamos com muitas pessoas sem educação que decidiram começar a lutar. Depois juntem mais uns quantos ignorantes e o resultado é um situação caótica.

A sua carreira carece de uma coisa – de uma verdadeira rivalidade. Por que razão tal nunca se verificou?
Ali: Terá de perguntar às raparigas que não se esforçam. Tudo o que posse fazer é ser o melhor que me é possível. Não posso fazer com que as outras sejam competitivas. Há uma rapariga na Alemanha, Natascha Ragosina, que é uma boa pugilista. É uma rapariga grande e forte. Gostaria de lutar com ela um dia, porque acho que aos alhos do público esse iria ser um combate verdadeiramente competitivo.

Todos os pugilistas se deparam a determinada altura com uma derrota. Mas a Laila tem-se mantido invencível. Qual é o segredo?
Ali: Por um lado, tenho bons genes, não é verdade? E também o desejo de ser a melhor e de dar sempre o meu melhor. E tive as pessoas certas à minha volta, que me asseguraram que eu estava preparada e que ia aprendendo à medida que lutava. E porque não me contento com um segundo lugar.

Que significado tem para si o dinheiro?
Ali: Dinheiro significa não ter de me preocupar com contas. Poder gozar a vida. Muita gente vive preocupada com o emprego, com aqueles para quem trabalha. Preocupam-se com o presente. Preocupam-se com o futuro. Eu sou muito mais despreocupada.

O que é na sua opinião um luxo?
Ali: Poder acordar e não ter de ir trabalhar.

Bill Gates decidiu doar toda a sua riqueza a obras de caridade, o que significa que os filhos dele terão de trabalhar por sua conta e risco. O seu pai é mais generoso neste aspecto?
Ali: Não, nem por isso. Não pertenço a uma dessas famílias em que o dinheiro nos cai nas mãos. Tive de trabalhar muito para chegar onde cheguei. Não dependi do meu pai.

O seu pai é provavelmente a pessoa mais famosa do planeta. Qual é a importância que ele tem na sua vida?
Ali: O meu pai é o meu pai. Amo-o e tenho consciência de que ele é muito famoso. Mas é claro que não o vejo como as outras pessoas. Porque conheço os seus pequenos defeitos, as suas fraquezas. Ninguém é perfeito. Mas ele é o meu pai. E é importante para mim, assim como o seu pai à para si.

Que tipo de pai foi ele?
Ali: Um pai muito carinhoso. Sabe, a casa dele era a casa de toda a gente. Ele era capaz de nos estragar com mimos e dar-nos o que queríamos.

O seu pai deixou-a quando era pequena.
Ali: Os meus pais divorciaram-se.

E por essa razão que há quem sugira que a Laila escolheu o boxe para atrair a atenção dele. Isto tem algum fundamento?
Ali: Não.

O seu pai ganhou muito com o boxe, mas também ficou com muitas mazelas. Houve quem dissesse que ele contraiu a doença de Parkinson devido a boxe. Isso não a afastou do desporto?
Ali: Em primeiro lugar, a doença dele não teve origem no boxe. As pessoas continuam a insistir nisso. Parkinson é uma doença. Não se apanham doenças no boxe. Mas a verdade é que esta questão se colocou a todos os pugilistas que começaram a carreira depois de Muhammad Ali. Todos o admiramos e respeitamos, mas não vamos viver a nossa vida assustados, ponto final.

Que papel teve o seu pai na sua decisão de enveredar pelo boxe?
Ali: Nenhum. Absolutamente nenhum. Essa decisão foi única e exclusivamente minha.

Aprendeu com ele alguma coisa que pudesse usar no ringue?
Ali: Com o meu pai há muita coisa que se pode aprender. Mas o boxe da actualidade é um desporto totalmente diferente, evoluiu.

Discute boxe com ele?
Ali: Depois de um combate, posso falar sobre a adversária com quem acabei de lutar ou pedir-lhe a opinião sobre o combate. Mas nada mais do que isso.

Boxe também significa ganhar dinheiro. Costumam comentar sobre quem ganha mais?
Ali: O meu pai às vezes pergunta-me: “Quanto dinheiro fizes-te?” Porque ainda fica entusiasmado com o dinheiro.

E diz-lhe?
Ali: Não exactamente.

E ele diz-lhe a si?
Ali: Sim. Aquilo que ele ganhava não é segredo. Ele agora quer saber quanto é que minha casa custa e que carro é que conduzo. Fica entusiasmado com estas pequenas coisas.

Em que medida ele a aceita como uma colega do boxe?
Ali: Ele aceita-me como a filha que decidiu ser pugilista. Não lhe agrada o facto de as mulheres fazerem boxe, mas sabe que eu farei aquilo que entender. E está feliz por ver que me estou a sair bem e que não o envergonhei.

Que significado tem para si o nome Ali?
Ali: Representa muita coisa. Foi um grande atleta e um homem que fez aquilo que quis. Eu também sou assim. E acho que essa coragem é uma qualidade que muita gente gostaria de ter. Não tenho medo, ou não tento esconder a minha confiança ou a minha auto-estima.

Tem oito irmãos d irmãs. Por que razão foi a única que se tornou atleta profissional?
Ali: Porque não posso dar uma tareia a todos eles. Nem toda a gente aspira a ser atleta. Não é assim tão simples.

Fez um anuncio publicitário para a Adidas em que aparece lutar com a seu pai…
Ali: E um dos melhores anúncios de todo os tempos.

Quando o seu pai começou, ficou na mesma classe em que a Laila se encontra agora, superpeso médio. Teria tido alguma hipótese de o derrotar?
Ali: Claro que não. O meu pai é um pugilista muito melhor do que eu, mais experiente e hábil.

Em que aspectos é melhor do que ele?
Ali: Em muitos aspectos!

Diga-me.
Ali: sou mais destemida do que o meu pai foi enquanto pugilista. Não tenho receio de chegar ali e provocar confusão. Ao passo que ele não gostava muito disso. Em termos comparativos, sou fisicamente mais forte, se é que me faço entender – para mulher, tenho um punho mais forte do que o meu pai tinha.

Em que é que os vossos estilos diferem.
Ali: Ele gosta de entusiasmar a multidão, de criar espectáculo e gosta de dançar em redor do ringue. Sei usar os pés, mas gosto mais de lutar, de usar as mãos. E não dou importância ao publico. Tento colocar o adversário fora de combate o mais depressa possível, em vez de tentar castigá-lo e de fazer render o espectáculo.

Quando lutou na África do Sul, esteve de novo com Nelson Mandela. Qual é a sua opinião sobre ele?
Ali: E outro grande homem. Não são muitos os homens que eu coloco ao nível do meu pai. Mandela defendeu aquilo em que acreditava. Passou muitos anos na cadeia, em defesa do seu povo, lutando pelas suas causas justas. Uma pessoa como ele merece o maior respeito.

Ele esteve preso. E ou seu pai também, porque se recusou a ir lutar para o Vietname. Actualmente, está outra guerra a decorrer, no Iraque. Por que razão já não vemos agora o mesmo tipo de empenhamento?
Ali: Vivemos numa época totalmente diferente. O meu pai não foi para a guerra porque não quis combater pessoas que ele achava estarem a ser vitimas de repressão, tal como acontecia com ele. Naquela altura, ainda havia restaurantes cujo acesso lhe estava vedado. Ainda havia segregação e muitos preconceitos raciais. Ele não ia lutar em nome de um país que não gostava dele. Preferiu abdicar dos seus títulos e de tudo o que tinha e ir para a cadeia. Eu teria feito o mesmo.

O seu pai teve um grande impacto enquanto defensor dos direitos civis. O que tem feito nesse campo?
Ali: Não estou envolvida nem a tentar ser líder político.

Como tem passado a seu pai?
Ali: E claro que tem uma doença que é progressiva. Tem-se debatido contra ela, tal como o fazem as muitas vítimas da doença de Parkinson. Mas tem convivido muito bem com o problema. Ainda não se esconde do público. Continua a aparecer e a viajar. Faz aquilo que disse que iria fazer. Queria ser um humanitário e retribuir. O boxe não o definiu. E também não me vai definir a mim.